26 de mai. de 2009

Carnavalização e poesia já!


De uns anos pra cá, tenho percebido a tendência de historicizar os enredos, dentro de um padrão pré-formatado: os povos primitivos de tal cidade - origem do nome da cidade - o desenvolvimento da cidade - cultura da cidade - etc - etc...quem não viu isso passar na avenida várias vezes nos últimos anos? Nada contra enredos patrocinados, mas um pouco de criatividade na construção da narrativa (que é o desfile originado numa sinopse) não faria mal a ninguém...

Sinto falta de enredos carnavalizados, brincalhões, bem-humorados...os desfiles estão formatados demais...

Sou um amante da folia que tem uma memória afetiva muito larga em relação aos dias de Momo. Desde criança, sempre brinquei carnaval na rua e essa coisa quadrada me deixa insatisfeito. Até os sambas andam padronizados! Por onde anda o lirismo, o aspecto lúdico das composições... Fazer samba parece receita de bolo...muitos se parecem!...As escolas perderam suas marcas identitárias...

Incentivado por um amigo, um novo e grande amigo, também amante de carnaval, comecei a me embrenhar pelo universo das escolas de samba. E tenho visto e ouvido coisas que muitas vezes me entristecem. Acho que, por isso, esse blog não terá fim: será meu grito, meu brado...sobre meus sustos de terror e de prazer...

Esse mesmo amigo, certo dia, me telefonou e pensou em uma ideia em principio despretenciosa, mas muito bacana exatamente por me projetar em um horizonte carnavalizado... Da ideia nasceu uma crônica, um texto escrito por mim, mas inspirado por ele... Infelizmente nosso texto ganhou caminhos tortuosos, mas antes que ele se perdesse de vez, resolvi torna-lo público para que outras pessoas entendam o que eu chamo de carnavalização.

Explicando o texto: a crônica é um imenso delírio carnavalesco que traz à tona cenas, sons, imagens, situações que os amantes da folia identificarão com facilidade. Tem um quê de poesia, sim! (será pretensão minha achar isso?)...mas certamente, e nos orgulhamos disso, te muito de carnaval; da lama do carnaval carioca...

Vamos ao texto?

E TEM BATALHA DE CONFETES NO OÁSIS DE ALALAÔ!

Alalaô, um árabe em caravana pelo deserto, sofrendo dias a fio com sede, fome e calor, se vê em desespero e brada aos céus:

Mas que calor,
Atravessamos o deserto do Saara

O sol estava quente

Queimou a nossa cara.

Viemos do Egito

E muitas vezes

Nós tivemos que rezar

Allah! Allah! Allah, meu bom Allah!

E de repente, não mais que de repente enxerga ao longe uma ave. Um vôo acrobático e muito mais veloz que o comum começaram a chamar a atenção. Era um falcão! – observou – ...ave que...Allah!...prefere ambientes florestais!...Devia haver água e comida por onde ela sobrevoava.
Recém saído de uma tempestade de areia, Alalaô chega ao seu oásis. Quanta água!...Um mergulho para aliviar o calor. Ao reerguer a cabeça, saindo d’água, se surpreende com o universo ao seu redor: duas grandes montanhas ligadas por um bonde. E mais ao fundo, bem alta e iluminada pelo sol, uma linda estátua de braços abertos.
Em seu delírio, Alalaô se vê num lugar diferente, e começa a ouvir, vindo de longe, alguns sons batucantes. Olhando para trás, vê um grupo de pessoas se aproximando, cantando e dançando. Que confusão é aquela? – pensou.
Quando chegaram mais perto, pôde ver melhor...homens vestidos de mulher, piratas e ciganos. Todos juntos cantavam umas músicas muito animadas e engraçadas: uma falava de um tal de Zezé com sua cabeleira; outra música falava de uma Maria de pé grande. Tinha uma tal de Chiquita que se vestia com uma banana e também uma jardineira que gritavam ser linda...
Foram se afastando ao pouco...mas do outro lado ia se aproximando outro grupo! Uns palhaços de máscara negra acenavam com bandeiras brancas e meninas de saias floridas cantavam pedindo dinheiro...curioso...mas quem daria se todos pediam? Falavam de uma tal Colombina que deixara um Pierrô chorando e de uma socialite que não era confiável, mas que, taí, fazia de tudo para gostarem dela, pois queria um coração.
Inebriado por este mundo maravilhoso, cheio de encantos mil, Alalaô não resiste e decide se entregar a esta festa sem limites. E em sua andança por este universo, conhece um Rei fofinho – que acabara de chegar em um carro aberto, cheio de gente feliz – e muito simpático que explicou que aquilo tudo era sua corte em festa. E promoveu um grande baile onde Alalaô encontrou árabes, romanos, egípcios, gregos.... estavam todos lá, bailando ao som das Pastorinhas ritmadas pelo bumbo de um bigodudo. Se encantou com aqueles índios em preto e branco, com aquelas pessoas em peles de onça e com uns ótimos boêmios que vinham sabe-se lá de onde e deram de beber. Mas não era água não!... Uma alegria sem fim. Bebês chegaram, brincando com padres e freiras, cantando que quem não chora não mama. Umas mulheres cheias de balangandãs e enfeitadas com rosas douradas se juntavam numa grande festa com fitas e pedaços de papel que uns atiravam nos outros. Sempre pedindo que abrissem alas: queriam passar!
Pessoas de roupas brancas com bolas pretas se misturavam com lindas lourinhas cheias de encantos mil...Allah!...Adultos gritavam pela mamãe querendo chupeta; cantavam também uma linda morena, mas a mulata é que era a tal, com um cabelo que não negava sua cor...
Índios queriam apitos, para quê, nosso Alalaô não entendia... A turma do Funil chegava sassaricando com o Pierrot apaixonado que só cantava: Yes, nós temos bananas.
A esta altura, sem nada entender, Alalaô olha para o céu...já é noite. Uma luz! Era a estrela Dalva, que no céu desponta ... E iluminados por essa luz, com um som muito forte, chegam caminhões cantando umas músicas que animavam as pessoas vestidas de qualquer jeito...umas enfeitadas, outras não...umas fantasiadas, outras não...uma mistura de gente que se acabava de dançar. Uma música falava de um barco que trouxe alguém do Norte. Uma outra propunha um porre de felicidade!...Falavam do hoje, do amanhã...Gostei muito daquele que perguntava: Quem é você?...você que vem de lá... Cantavam um dono da terra e logo depois um carnaval nas estrelas...Que loucura! Tinha também uma fantasia que não se libertava de ratos e urubus e uma gente que insistia em rogar que a liberdade abrisse suas asas...Tinha uma fruta que chupavam até o caroço...e contos que vinham da areia. Eram caminhões...cada um com seu grupo de pessoas felizes em volta...tinha uma coisa de Simpatia, uma Banda, uns Escravos e o Suvaco de...Allah!...que blasfêmia...não vou nem citar! Todos com grupos de foliões com fantasias improvisadas, ou mesmo de roupa comum, que, reunidos, desfilavam pelas ruas da cidade, cantando e sambando. E olha só...o rei fofinho no meio do povo...se esbaldando quando chegou mais um monte de gente comandado por uns músicos... E o Rei me explicou que este tocava uma mistura de samba, batucada, marchinas, coco, funk e charm, com um grande número de batuqueiros. Bloco!...era isso...não...quase isso...algumacoisabloco...não consigo ver o nome com clareza...
E de repente eles começam a cantar uma canção...

Viemos do Egito

E muitas vezes

Nós tivemos que rezar

Allah! allah! allah, meu bom allah!

Mande água pra ioiô

Mande água pra iaiá

Allah! meu bom allah...

Allah!...meu bom Allah...Allah...uma vertigem...a visão ficando turva...escuridão!
Alalaô acorda, olha em volta... e aquele mundo se desfez... Monta em seu camelo segue sua viagem... Anda um pouco e olha para trás na esperança de que aquele mundo lá estivesse, real!...nada encontrara. Fantasia...febre...delírios...Mas tudo estava muito vivo em seus pensamentos...
A esta altura, o cansaço é arrebatador, faz-se necessário o descanso...Sob o céu enluarado decide dormir um pouco... O calor é grande por isso decide tirar sua roupa. Olhou para a fora da tenda. Pensou ter visto mascarados e pessoas com roupas coloridas... bumbum paticumbum prugurundum, escutou ao longe...Foi então que notou uma coisa estranha...por baixo de tudo uma camiseta que não estava lá no início de tudo!...E nela a inscrição: Eu amo o carnaval carioca!

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Duas fontes foram úteis na pesquisa que gerou o texto:

PIMENTEL, João. Blocos: uma história informal do carnaval de rua. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Prefeitura, 2002.

http://www.samba-choro.com.br/noticias/arquivo/8172 (acesso em 23 de março de 2009)

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Obrigado, Dindo, pela generosidade!
Obrigado, Anderson, pelo carinho e pela força...E PELO SAMBA!!!!

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Bjos a todos, até o próximo!